terça-feira, 19 de abril de 2011

Responsabilidade do fiador na fase executória independe de citação na fase cognitiva?

Responsabilidade do fiador na fase executória independe de citação na fase cognitiva?

1.  INTRODUÇÃO
Através do presente artigo são tecidas considerações, com base doutrinária e jurisprudencial acerca da responsabilidade do fiador na fase executória quando o mesmo não integrou a relação jurídica na fase de conhecimento.
2.  DESENVOLVIMENTO
Tratando-se de um dos requisitos essenciais para a execução, a legitimidade, tanto ativa, quanto passiva é indicada, respectivamente, nos artigos 566 e 567, e 568, todos do Código de Processo Civil, de maneira que por expressa disposição legal (inciso IV do art. 568 do CPC) o fiador judicial é elencado como responsável pela obrigação da parte para a qual prestou garantia pessoal no curso do processo de conhecimento.
Não obstante, o Código de Ritos deixa de referir-se especificamente acerca do fiador convencional, fato este gerador de muitas discussões doutrinárias quanto a responsabilidade do garantidor em comento na fase de execução e, por isso, alguns doutrinadores afirmam que apenas o fiador judicial é parte passiva legítima na execução, não o sendo o fiador convencional, o qual só pode ser executado se figurar como vencido numa sentença condenatória, ou seja, se participou (foi citado) da fase de cognição, ou ainda se a fiança convencional tivesse sido prestada em contrato que, por si só, tenha eficácia executiva, a exemplo do contrato de locação.
Por outro lado, há quem considere que o fiador convencional tem legitimidade ordinária primária (aquele que se diz titular do crédito e, portanto, demanda em nome próprio, na defesa do seu próprio interesse), incluída no alcance do art. 568,I do CPC, já que o “devedor reconhecido com tal no título executivo”, é também aquele que assume a posição do executado no processo ou fase de cumprimento de sentença, hipótese em que se enquadra o fiador convencional, conforme entendimento do professor Antônio Cláudio da Costa Machado em sua obra Código de Processo Civil Interpretado (8ª edição, Editora Manole, 2009).
Nessa mesma esteira de raciocínio estão as lições do processualista Alexandre Freitas Câmara, que se posiciona a favor da responsabilização do fiador convencional na execução, mesmo quando este não tenha sido citado durante a fase de cognição, pois que “não faria sentido nenhum atribuir-se eficácia executiva ao contrato de fiança sem se conferir legitimidade passiva primária ao fiador convencional”.
Câmara considera também que, o CPC não menciona expressamente no art. 568 o fiador convencional como legitimado passivo, por ser desnecessário, já que no art. 585, III, o Diploma Legal em comento cataloga, no elenco dos títulos executivos extrajudiciais, o contrato de caução, gênero a que pertence, indubitavelmente, o contrato de fiança, logo, o fiador convencional é o devedor reconhecido como tal no título executivo.
Dessa forma, a única exigência, inerente aos demais títulos executivos, é que o contrato de fiança represente uma obrigação certa e líquida, posto que já exigível, em decorrência do art. 586 do CPC.
Com entendimento diverso dos explicitados, o professor Elpídio Donizetti, em seu livro “Curso Didático de Direito Processual Civil”, Editora Lumen Juris, 9ª edição, 2008”, sustenta que o fiador convencional ou legal, ao contrário do judicial, somente pode integrar o pólo passivo da execução se figurar em título executivo extrajudicial ou, no caso de cumprimento de sentença, com prévia citação e condenação da fase de cognição, e, em qualquer hipótese, independente de figurar no título executivo, judicial ou extrajudicial.
Araken de Assis, ao discorrer sobre o tema em análise, afirma que a legitimidade passiva do fiador condenado decorre da condenação; a do fiador judicial não condenado, do artigo 568, IV); a do fiador convencional não condenado, do art. 585, III, pois a fiança é espécie de caução. Supõe-se, no último caso, a existência de título executivo extrajudicial.
Ao fiador o artigo 595 assegura o chamado benefício de excussão ou de ordem: quando executado, pode o credor nomear à penhora bens livres e desembargados do devedor. Nesse caso, a execução ter-se-á iniciado contra o fiador e, a partir da nomeação de bens, passará a fluir também contra o devedor principal, em litisconsórcio passivo resultante de cumulação ulterior de ações, independentemente da concordância do exeqüente ou do próprio devedor.
Entretanto, a lei não manda citar o devedor, nem lhe dá a oportunidade de pagar espontaneamente. Mas deverá ele ser intimado da penhora, juntamente com o fiador-executado, cabendo-lhe o oferecimento de embargos, não como terceiro, e devendo, desde então, na qualidade de parte, ser intimado de todos os subseqüentes atos do processo. (Leonardo Greco).
Não obstante a diferença, no plano material, entre devedor e responsável, obrigado e garante, um e outro são igualmente partes legítimas passivas (Araken de Assis).
O fiador é responsável pelo débito. Salvo estipulação em contrário, tem o direito de exigir que sejam primeiro excutidos os bens do devedor (Cód. Civil, art. 827). É o chamado benefício de ordem, que não lhe aproveita: se a ele renunciou; obrigou-se como principal pagador, ou devedor solidário; se o devedor for insolvente ou falido (Cód. Civil, art. 828).
Não há dúvida de que o fiador é passivamente legitimado para a execução. Entretanto, o artigo 568, IV, do Código de Processo Civil, aponta como sujeito passivo na execução apenas o fiador judicial. Raciocinando-se a contrario sensu, concluir-se-ia que o fiador convencional não seria sujeito passivo na execução. Mas isso estaria em contradição com a afirmação de que o responsável ou garante é legitimado passivo para a execução e com o disposto no artigo 585, III, do mesmo Código, que inclui, entre os títulos executivos extrajudiciais, o contrato de caução. Ora, a fiança é espécie de caução. Por que, então, referiu-se aquele dispositivo apenas ao fiador judicial e não simplesmente ao fiador?
Responde-se: para que se legitime passivamente o fiador convencional, é preciso que ele conste, como tal, no título executivo extrajudicial ou judicial. Se a sentença condenou o devedor, mas não o fiador, contra este não pode ser promovida a execução. Mas o fiador judicial é legitimado passivamente, independentemente de prévia condenação, por força do artigo 568, IV.
Em suma, seja convencional ou judicial a fiança, haja o fiador se obrigado como principal pagador, ou devedor solidário, “subsiste a posição do fiador como garante subsidiário e eventual, e, desenganadamente, continua ele apenas responsável” (Araken de Assis). Daí tirou o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão citado pelo Autor, uma importante conseqüência: a carta de fiança somente é título executivo se o credor igualmente tem título executivo contra o devedor principal.
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, em “Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante” (Editora Revista dos Tribunais, 10ª edição revista e atualizada, 2007) trazem dois julgamentos que expressam seu posicionamento, conforme transcrição a seguir:
Fiador não condenado judicialmente. Não pode ser parte na fase de execução de título judicial quem não participou do processo na fase cognitiva, exceto as hipóteses de sucessão processual. Em razão disso, inexistindo contra fiador condenação e, consequentemente, título executivo, não pode ter seus bens alcançados pela execução (2º TACivSP, 10ª Câm.; Ag 666541-0/200, rel. Juiz Gomes Varjão, v.u.,j. 7.2.2001)”
Fiador. Ação de despejo. “Os fiadores foram pare na ação de despejo por falta de pagamento cumulada com cobrança de alugueres, ainda que cientificados, não são legitimados para sofrer a execução do referido título judicial. (2º TACivSP, 10ª Câm.; Ag 630523-00/9, rel. Juiz Marcos Martins, v.u.,j. 17.5.2000)”
Sobre o tema, é disposto na súmula nº 268 do Superior Tribunal de justiça
Nesse ínterim, colaciono ementas de julgados no Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (TJ/SE), devidamente identificados, senão vejamos:
STF
RE 52666 / RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a):  Min. VICTOR NUNES
Julgamento: 17/05/1963   Órgão Julgador:  SEGUNDA TURMA
Ementa: NÃO EXIGIVEL A MULTA CONTRATUAL DO FIADOR DO LOCATARIO, QUE NÃO FOI CITADO PARA A AÇÃO DE DESPEJO.
Indexação: FIADOR, NÃO CITAÇÃO PARA AÇÃO DE DESPEJO. NÃO EXIGIBILIDADE DE MULTA CONTRATUAL. DIREITO CIVIL. APOSENTADORIA.
STF - RECURSO EXTRAORDINÁRIO: RE 75328 MG
Relator(a): ELOY DA ROCHA
Julgamento: 11/12/1972
Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA
Ementa: AÇÃO EXECUTIVA. COBRANÇA DO FIADOR DO CONTRATO DE LOCAÇÃO, DE TAXAS NÃO PAGAS PELO LOCATARIO. CUSTAS E HONORARIOS ADVOCATICIOS DA AÇÃO DE DESPEJO, RECLAMADOS DO FIADOR NÃO CITADO PARA ESSA AÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO PARCIALMENTE.
STJ
STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 473830 DF 2002/0139528-7
Resumo: Recurso Especial. Locação. Contrato de Locação. Título Executivo. Fiança. Ação de Despejo Cumulada com Cobrança Julgada Procedente. Citação do Fiador. Execução Fundada no Contrato
de Locação. Impossibilidade. Recurso Especial Conhecido e Improvido.
Relator(a): Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA
Julgamento: 25/04/2006
Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA
Publicação: DJ 15/05/2006 p. 274
Ementa: RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. CONTRATO DE LOCAÇÃO. TÍTULO EXECUTIVO. FIANÇA. AÇÃO DE DESPEJO CUMULADA COM COBRANÇA JULGADA PROCEDENTE. CITAÇÃO DO FIADOR. EXECUÇÃO FUNDADA NO CONTRATO DE LOCAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que as obrigações acessórias ao contrato de locação, tais como as relacionadas às despesas com água, luz, multa e tributos, previstas no contrato, também estão compreendidas no art. 585, IV, do CPC, legitimando a execução juntamente com o débito principal relativo aos aluguéis propriamente ditos.
2. Ainda segundo a orientação desta Corte, a falta de citação do fiador para o processo de despejo por falta de pagamento que o locador moveu contra a locatária, isenta o garante da responsabilidade pelas custas e demais despesas judiciais decorrentes daquela ação, julgada procedente contra a afiançada, sem entretanto, desobrigá-lo dos encargos decorrentes do contrato de fiança.
3. Hipótese em que o Tribunal de origem entendeu que o fiador foi citado na ação de despejo cumulada com cobrança julgada procedente, razão pela qual não seria possível o ajuizamento de ação de execução fundada no contrato de locação.
4. Recurso especial conhecido e improvido.
STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 280145 SP 2000/0099185-6
Resumo: Locação. Ação de Despejo. Ausência de Citação do Fiador. Cobrança de Custas e Despesas. Impossibilidade. Multa Indenizatória. Possibulidade de Execução Sem Prévio Processo de Conhecimento.
Relator(a): Ministro EDSON VIDIGAL
Julgamento: 21/11/2000
Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA
Publicação: DJ 18/12/2000 p. 234 LEXSTJ vol. 141 p. 263
Ementa: LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DO FIADOR. COBRANÇA DE CUSTAS E DESPESAS. IMPOSSIBILIDADE. MULTA INDENIZATÓRIA. POSSIBULIDADE DE EXECUÇÃO SEM PRÉVIO PROCESSO DE CONHECIMENTO.
1. Não citado o fiador para ação de despejo promovida apenas em face do afiançado, não responde aquele pelas custas e honorários advindos desta relação processual, de responsabilidade exclusiva do locatário.
2. É possível a execução de créditos decorrentes de multa pela rescisão unilateral do contrato, quando expressamente prevista no contrato de locação, na forma do CPC, art. 585, IV.
3. Recurso conhecido e parcialmente provido.
STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 259132 MG 2000/0047130-5
Resumo: Civil. Processual Civil. Locação. Créditos de Alugueres. Cobrança. Incidência da Prescrição Qüinqüenal. Art. 178, § 10, Iv, do CCB. Afastamento da Obrigação do Fiador. Citação Apenas do Locatário em Ação de Despejo. Não Interrupção da Prescrição em Relação ao Fiador. Art...
Relator(a): Ministro GILSON DIPP
Julgamento: 24/04/2001
Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA
Publicação: DJ 04/06/2001 p. 219 REPDJ 18/06/2001 p. 166 REVFOR vol. 361 p. 160
Ementa: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. CRÉDITOS DE ALUGUERES. COBRANÇA. INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. ART. 178, § 10, IV, DO CCB. AFASTAMENTO DA OBRIGAÇÃO DO FIADOR. CITAÇÃO APENAS DO LOCATÁRIO EM AÇÃO DE DESPEJO. NÃO INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO EM RELAÇÃO AO FIADOR. ART. 176, § 3º DO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO MITIGADA. DECORRÊNCIA. CARÁTER BENÉFICO DA FIANÇA. INTERPRETAÇÃO NÃO EXTENSIVA. NECESSIDADE. CIENTIFICAÇÃO DO FIADOR DOS ATOS QUE LHE IMPORTEM EM GRAVAME. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
I -Consoante o disposto no art. 178, § 10, IV, do Código Civil, é qüinqüenal a prescrição dos alugueres da locação urbana, regramento que se aplica na espécie, porquanto os fiadores são demandados, em ação de cobrança, por locativos cuja última data de inadimplemento ocorreu em 25/05/92, sendo certo que estes créditos somente foram exigidos em juízo em 10/11/97, quando já ocorrida a prescrição, o que se verificou em 24/05/97, impondo-se reconhecer a inexistência de obrigação dos recorrentes para o débito apresentado.
II -Em sede de fiança locatícia, a regra de que a interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador, inscrita no art. 176, § 3º, do Estatuto Civil, reclama interpretação mitigada, porquanto a reiterada jurisprudência da Corte, reconhecido o caráter benéfico e desinteressado da fiança, e aplicada, também, exegese não extensiva a este instituto, tem exigido a necessidade de cientificação do fiador para todos os atos dos quais possam lhe advir gravames.
III -Na hipótese, apesar de os fiadores não terem sido cientificados ou citados em ação de despejo por falta de pagamento, o que se verificou apenas em relação ao locatário, entendeu a Corte "a quo" que também contra aqueles garantidores, e não apenas contra o locatário, ocorreu a interrupção da prescrição, dado a aplicação do art. 176, § 3º, do Estatuto Civil e ao caráter acessório da fiança, interpretação que, apesar da literalidade deste dispositivo, não está em sintonia com o tratamento jurídico que esta Eg. Corte aplica ao instituto da fiança dada em locação.
IV -Recurso especial conhecido e provido.
TJ/SE
Nº do processo: 2002201785
Relator: DES. JOSÉ ARTÊMIO BARRETO
Recurso: APELAÇÃO CÍVEL
Julgamento: 16-12-2003
Ementa: Apelação Cível. Título executivo judicial originado de Ação de Despejo c/c Cobrança de Aluguéis e Encargos. Condenação do locatário. Fiador estranho à relação processual do Processo de Conhecimento. Ilegitimidade para figurar no pólo passivo da Execução. Honorários ínfimos. O fiador não pode citado por título executivo judicial, no qual fora o locatário condenado ao pagamento de valores locativos e encargos, uma vez que não foi parte no feito; - Sendo ínfimo o valor fixado a título de honorários, deve este ser alterado, a fim de prestigiar o labor do zeloso causídico, mesmo tratando-se de causa que não enseja maior complexidade, aplicando-se o disposto no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil.
3.     CONCLUSÃO
Destarte, a maior parte da doutrina entende que o fiador pode, seguramente, ser executado em decorrência do inadimplemento do devedor principal, já que a ele é equiparado, mesmo quando não integrou a fase de conhecimento, posto que, sendo a natureza jurídica da fiança de responsabilidade solidária e independente do adimplemento pelo(s) outro devedor(es), é responsável o fiador pela obrigação insolvida.
Nesse sentido inclina-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, ressalvando que o fiador, apesar da possibilidade de responsabilização pela obrigação principal, não está obrigado a arcar com despesas processuais, a exemplo da condenação em honorários advocatícios ou multa fixados na fase de conhecimento, quando desta não fez parte, ou seja, não foi cientificado.

Referências Bibliográficas
MACHADO. Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil Interpretado. 8ª edição. Editora Manole, 2009.
DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil, Editora Lumen Juris, 9ª edição, 2008.
CÂMARA. Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil.
NERY JR. Nelson e Rosa Maria de Andrade Nery. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. Editora Revista dos Tribunais, 10ª edição revista e atualizada, 2007.
Lei nº 5.869/73 (Código de Processo Civil). Vade Mecum, 2010, 9ª Edição.

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